Pensando sobre nós percebi que a diferença nos é comum, ela nos une; somos o contra-senso. E por aí existem muitos desses casais combalidos, que para se saírem bem precisam mais de uma vez se desgastar por nada, e outras tantas vezes se arrasarem com palavras cunhadas para magoar. Dos casais inseguros, que vivem em cárcere privado para serem detentos um do outro; se atam, se envenenam em desconfiança das sombras e cultivam a destruição do tempo. Dos casais comuns, desses que confundem paixões meladas de tristeza e sofrimento, relações de dependência e submissão, paixões tristes, com o movimento livre do amor. Dos casais diários, que não são amantes e vivem do convívio do esquecer, esquecem até de si próprios, vivem do convívio do prazer egoísta. Dos bobos que rogam aos muitos ventos, sete mares, por todas as luas de Júpiter, por todo o universo, que amam muito mais que o infinito distante e o eterno, que falam e escrevem de forma odiosamente melosa, mas quando estão fartos e cansados de suas posses e anseiam um próximo desafio, abandonam o relacionamento como se desmaterializar o amor fosse sopro em castelo de cartas. Dos desgraçados, que amam abraçados, selados, e transformam carinho em moeda de troca, prazer em gratidão, paixão em escravidão; forjam e amam a pureza de um amor imaculado -que não existe-, e fazem tronos de reis que nunca reinaram de verdade. Tem dos hipócritas que amam a ilusão que criam um do outro, e vivem de mentiras e falsas juras, como se fosse o amor passível de promessas. Esses levam uma vida dupla, tripla, se esforçam para não serem descobertos e se fazem de oportunismo.
E existe eu e você, que somos o casal do que nos convém o dia-a-dia; somos o casal de nada, e nada nos pertence, nem mesmo um ao outro. Sobre nós não versa o tempo, ele passa e nós não. Sobre nós não versa a traição, ela vem, a traímos com aptidão e ela vai, nós não. Sobre nós pesa qualquer leveza, que nos faz não ver beleza em ser metade um do outro. Não somos metade, metade é pouco: somos inteiros. Sobre nós não versa o excesso, nossas frases de amor não precisam ser expostas e, nem muito menos, ditas; elas navegam pela abertura de nossos olhos, deságuam em nosso sangue e completam seu ciclo voltando à tona no sorriso e no fervor da pele. Sobre nós não versa a rotina, juntos levitamos sobre o peso de viver; leves flutuamos no espaço da poesia, sem destino e sem cansaço. Sobre nossos encontros versa o silêncio; e o nosso silêncio soa como a harmonia de notas musicais que se completam. Tudo que se encaixa, tudo que vive em equilíbrio e tranquilidade, que floresce e aponta pra luz, versa sobre nós. Sobre nossos corpos, outras vezes forjados por amores cansados, inseguros, comuns, diários, bobos, hipócritas, desgraçados, floresce desta vez um amor de gosto desconhecido, um abismo. Por não conhecê-lo, nos aventuramos em seu labirinto, criamos asas e mergulhamos...voamos, ‘não pra perseguir sonhos, mas pra enlouquecer ventanias’.
Sempre quando nos despedimos, meus olhos admiram cada detalhe seu e dizem sem o som de qualquer palavra:
- Acho que me apaixonei por você esta noite.
Você entende, sorri; e neste lindo e gigantesco sorriso, acaba por engolir a mim e o mundo.
E já são 396 dias vividos da Marina com o Amaro.